Voto aberto ou fechado.
Depois do atentado à democracia no senado federal - refiro-me à votação pela (não) cassação do senador alagoano Renan Calheiros - muito se discute em relação à medida que mudam o sistema de voto secreto e até, medidas que extinguem a câmara dos Lordes, quero dizer, o senado federal.
O senador petista Paulo Paim desengavetou o PEC (Proposta de emenda constitucional) que tratava do fim do voto secreto no senado. Na câmara dos deputados o projeto foi aprovado com folga, porém, no senado as coisas parecem ser complicadas; complicadas para a opinião pública que deseja saber no que está votando os senadores eleitos e para o próprio senado que acaba por problematizar sua própria posição dúbia em relação ao regime democrático.
Toda a população possui o direito de saber se os senadores e deputados, aos quais reservou um voto de confiança, estão votando e respeitando os interesses daqueles que, teoricamente, devem ser representados.
Na votação pela cassação do senador Renan Calheiros não foi reservado o direito à opinião pública checar a correspondência entre as palavras e os gestos – medida para mim fundamental para a consolidação da democracia. Não considero um golpe à democracia o resultado da não cassação do senador Calheiros, apesar de ser a favor da cassação daquele canalha. Porém, golpe anti-democrático foi o resultado de uma pesquisa de opinião pública onde 46 senadores informaram ter votado a favor da cassação enquanto que, no resultado real, apenas 35 votaram pelo "SIM". Um golpe ao eleitor que na busca pelos mentirosos ou "indecisos" condena toda uma instituição pública, pois, o sigilo do voto evita à crítica (individual) que ajuda ao desenvolvimento de um eleitorado mais consciente, e assim sendo, de um sistema política mais eficiente.
Voto secreto na escolha dos nossos representantes é fundamental para a democracia, assim como sua universalidade. Porém, o voto secreto na câmara e no senado atinge negativamente a mesma democracia que os “honoráveis” representantes prometeram proteger. O voto aberto não é só um direito, mas um dever para a população que passa a ter fundamental responsabilidade em fiscalizar a representatividade dos seus candidatos. Possíveis representantes cairiam na malha fina da população e pagariam por sua inatividade e por seus vícios. Muitos deputados e senadores já haveriam caído no esquecimento da população como um nome competitivo na política; não devido a cassações ou processos judiciais, mas devido ao próprio sistema democrático otimizado pela possibilidade de participação direta da população, na figura da um “fiscalizador da representatividade democrática”.
Digno de crédito neste post também é a atual discussão (em uma roda de debates um pouco mais fechada) sobre a dissolução do senado federal. Segundo o próprio Renan Calheiros, "A Câmara representa os interesses do povo, e o Senado, os interesses dos estados e do Distrito Federal. O bicameralismo tem também o enorme mérito de evitar eventuais excessos de uma ou de outra casa”.
A discussão sobre o tema surgiu de uma fala do presidente do PT, o deputado Ricardo Berzoini, no 3º congresso nacional da sigla, onde citou que , a dissolução do senado poderia estar incluída na pauta da Reforma Política e que, diversos paises possuem um sistema unicameral, tendo estes países um excelente resultado em agilidade e representatividade democrática.
O Presidente do PT foi muito criticado, inclusive por membros da própria sigla. A questão realmente é muito frágil, pois o bicameralismo e o unicameralismo não são nenhuma soberania ideológica, mas sim, pontos de vistas bastante sólidos e construídos, com defensores conscientes e com aspectos positivos e negativos bem delineados. No entanto, não há como negar a imensa desigualdade do sistema legislativo brasileiro.
Trazendo um pouco de história ao conteúdo, o bicameralismo foi bastante defendido pelas correntes liberais do século XIX, pois fracionava o poder* - Até ai, tudo ótimo. Porém, em diversas situações, o bicameralismo serviu para acomodar uma classe de descendentes da aristocracia evitando assim um maior atrito e uma estabilidade ao regime liberal**.
Até hoje, podemos perceber uma concentração de figurões representantes de um passado coronelista nas cadeiras do senado. Quando Renan (pecuarista de Alagoas) vem falar que o senado representa os estados, acredito que ele quis dizer o status quo - que possivelmente pela sonoridade semelhante tentou despistar os jornalistas, mas sem alcançar o mesmo sucesso com teóricos da conspiração (como eu).
O próprio posicionamento divergente entre deputados e senadores em relação à participação popular, abertura das votações e opiniões públicas, demonstram claramente um posicionamento divergente na própria idéia sobre a política democrática atual. Se os senadores, como disse o Renan Calheiros, são representantes dos estados, estes que deveriam ser escolhidos por cargo de confiança ou loteamento, assim como são escolhidos secretários, assessores e gabinetes dos governadores, ou por concurso público. Sendo escolhidos pelo povo, em votações democráticas, universais e secretas, o senador necessita representá-los e obviamente o povo tem o direito e o dever de exigir transparência e representatividade por parte dos seus senadores eleitos.
Negando o voto aberto, o senado nega seu próprio dever para com o regime democrático brasileiro, pois nega o direito de fiscalização sobre sua conduta, sua representatividade e eficiência. O voto aberto é um chá, contra os demagogos, que a democracia brasileira necessita e muito para se desenvolver mais.
Negando o voto aberto, o senado nega sua própria legitimidade de existência e por isso, sua dissolução é uma opção viável. Claro, para que isto ocorra precisa-se equilibrar a câmara de deputados também para que todos os estados sejam representados igualmente...Vale a pena o esforço.
Galileu Fikaporay.
*O Liberalismo defendeu (e ainda defende) a descentralização do poder. Alcançaram isso através da instituição da divisão dos poderes que se regulam, fiscalizam e, em um estágio ideal, se neutralizam. Os liberais concentraram-se na crítica ao poder centralizado do rei (Absolutismo) e depois contra os regimes totalitários. Para a teoria liberal a centralização do poder é uma forma ineficiente de governo e que fere ao direito da liberdade.
**Informações Retiradas do capitulo, "A Idade do Liberalismo", do livro de René Remond, "O Século XIX".