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O Patinho Amarelo

Pernóstico, Sádico e Sarcástico

Assim sem contrato

17 agosto, 2012

Você pára e olha pra alguém, e sorri. Essa pessoa gosta daquela pequena coisa que você, e apenas você, gosta. Ou gosta de tudo o que você gosta. Ou não gosta de nada do que você gosta, mas faz as coisas de um jeito que você gosta.
Você respeita os defeitos dela, se decepciona ocasionalmente, não precisa ter paciência pra ela o tempo inteiro, não precisa compartilhar tudo, não precisa ver sempre.  Mas existe um sentimento fino que os coloca juntos. Você quer estar ao lado dela, quer fazer burrices fenomenais e tê-la como testemunha e cúmplice. Quer ligar pra ela pra falar de alguma coisa completamente irrelevante.
A amizade não é um compromisso. É um sentimento envolvente. Quando vai sumindo, como todo sentimento, você tem o direito de trabalhar para reanimá-la, e quando desaparece sobra um outro sentimento no lugar. Pode porém evoluir para um estágio de irmandade, onde o laço se torna indistinto dos motivos que o fizeram ter amizade, e um sentimento toma a permanência ainda menos comprometida do sentimento consanguíneo. Mas não se pode cobrar amizade, cobrar algo do amigo como se ele devesse algo
apenas por ser amigo: você o escolheu e pode aceitar as limitações do seu altruísmo, sem necessariamente perder a amizade.
Amigos harmonizam diferentemente, como vinhos, um para a festa louca, um para jogar tomando cerveja em casa, um que é ótimo para conselhos amorosos, um que é para happy hour, um que é para todas as horas, com moderação, um que é para levantar você  daquela situação merda.
Como a paixão, a amizade pode consumí-lo, dia e noite, pensamentos, tornar-se compulsão. Pode até mesmo envolver uma sensualização do ser amado. Pode haver sexo. Pode haver absoluta repulsa sexual. Na amizade cabem muitas sensações.
O grande poder de ser amigo é o stand by. Uma amizade não precisa ser contínua. Não se precisa um do outro sempre. Em alguns
momentos estratégicos talvez. Os anos se passam sem uma notícia e um amigo pode permanecer amigo.
A doçura do fim da amizade é clara: Ainda que haja dor no desfazer da relação, a mágoa dura apenas por tanto tempo, e depois  uma espécie de nostalgia cria-se. Uma nostalgia poderosa que faz você lembrar com carinho do seu melhor amigo na alfabetização.
Você não é mais amigo dele, não precisa. Você não sente amizade. Você não faria muito por ele. Mas você sorri.
A amizade faz bem para a saúde. Na verdade te dá anos de vida a mais, previne doenças (sério mesmo, cientificamente comprovado). E a falta de amigos espontâneos te faz tentar se relacionar com as pessoas mais bizarras do mundo, que podem seriamente danificar sua integridade moral.

Da dificuldade de escrever num blog

10 agosto, 2012
Ultimamente tenho sido fortemente compelida a escrever num blog. Professores e pós-graduandos que recomendam a escrita de um blog como aperfeiçoamento da capacidade de comunicação, e como exercício básico para ser um bom qualquer coisa, e para melhorar minha redação científica. Blogueiros que admiro, lembranças de quando eu era criança e queria ser jornalista. Vivo cercada por informações interessantes, pessoas interessantes com histórias interessantes e arte, muita arte, e ciência. Parece que escrever seria tão incrivelmente libertador e bom para todos.
Não tenho dado talvez vazão suficiente à minha personalidade por vias de expressão comuns: não tenho tocado piano ou violão, nem conversado sobre o que quero conversar, nem sou muito capaz de qualquer outra arte que seja eficiente para despertar uma conexão com quem quer que seja.
Movida portanto por essa necessidade de expressão, estava desenhando. Aí olhei pra minha pobre obra e vi a realidade: Sou péssima nisso. Só consigo desenhar curvas e pontas. Então olhando pra essas curvas e pontas eu me toquei que os meus desenhos eram na verdade uma extensão da minha caligrafia. Os ângulos, as inclinações e curvas, tudo refletia obviamente a minha letra. Então tá, está claro: O que eu quero mesmo e gosto e minha tia do colégio elogiava era minha capacidade de escrever.
Por que não consigo então escrever num blog?
Escolhi esse entre 4 ou 5 endereços de blogs que já tive para postar esse texto. Todos adormeceram e ficaram jogados, mas esse é um espaço que foi abandonado milhares de vezes. Esse blog foi criado quando eu tinha o que, 17 anos? Foi abandonado por calouros que (em maioria) nem ficaram nos mesmos cursos, depois abandonado por veteranos, e parece a cada dia elencar autores mais e mais interessantes, porém que escrevem menos e menos sobre si, sobre o mundo, sobre qualquer coisa. Temos uma psicóloga forense, um cineasta, um jornalista, uma doutoranda em ciências... A sede que motivou o surgimento desse blog era política, feminista, ideológica, poética, racional, passional, jovem. Nessa época eu era cercada de convicções. Convicções estéticas e opiniões sobre quase tudo.
Hoje quando eu penso em escrever um post sobre política, sinto que tenho conhecimento limitado, sobre arte, sobre literatura, sobre qualquer coisa pareço não ter "background" suficiente para minha opinião valer qualquer esforço em ler um texto, numa época em que a leitura de textos é um esforço reservado para poucos. Quando penso em escrever sobre ciência, receio não conseguir ser interessante, nem ter uma clareza visual de qualquer coisa na natureza que me faça descrevê-la perfeitamente, como gostaria de ler.
Parece que com tanta informação pelo mundo, mais centrada, mais completa, não faz sentido escrever sobre algo sem ser expert. E minha expertise se restringe a um assunto: eu mesma.
Não escrevo blogs porém possuo todas as redes sociais que conheço, e alimento pessoas com imagens interessantes no Pinterest, atualizações de status sobre toda e qualquer coisa no facebook (pois ali não é preciso ter fundamentos sólidos para sua opinião (?!)), links interessantes no twitter, reblogs no tumblr, e até minha opinião sobre episódios de enlatados americanos no orangotag.
A verdade é que perdi a capacidade de escrever com responsabilidade. De escrever com coragem para estar provavelmente errada. De compartilhar a vida em mais de um parágrafo. E gasto minha capacidade de expressão em meios superficiais, e sinto essa crescente necessidade de me comunicar de verdade. Meu mal do século é um vício em drama dos outros, gifs, e "digite aqui o que você está pensando". - Vamos, "digite aqui o que você está pensando". Não escreva para alguém, escreva pra todos, aguarde ansiosamente ser lida por aqueles que acessarem esta rede dentro das próximas horas, aguarde ansiosamente um like ou RT dos seus conhecidos. Acredite que você está fazendo contato.
Escrevi esse post aqui porque lamento ter perdido, ou nunca ter tido, o poder de escrever regularmente sobre qualquer coisa sem medo, e ser interessante, e não ser egocêntrica. Lamento não ter um blog funcional que diga um pouco sobre muito que vejo.  Mas recentemente pareço estar empenhada em tentar.
Aceito sugestões de como construir textos de verdade nesse mundo de conversas e opiniões banais.
Abraços,

M. F.